Codificação do Processo Administrativo
em Portugal
Como resulta
do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa, a regulamentação
jurídica do procedimento administrativo visa vários objectivos: certeza e
clareza das normas que regulam o procedimento administrativo, a racionalização
dos meios (eficiência da administração), garantia da tutela dos direitos
subjectivos e interesses legítimos dos particulares e assegurar a participação
dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito.
Em
Portugal, tal desejo foi pela primeira vez fixado pela Lei de Meios de 1962,
tendo ainda sido elaborado um anteprojecto de código em 1968, mas que nunca
chegou a ter frutos. Só após a Constituição de 1976, que impunha a codificação
legal da matéria de procedimento administrativo geral (267º nº5), é que depois
de duas tentativas falhadas (em 1980 e em 1982), foi finamente aprovado um
terceiro anteprojecto elaborado pela Comissão Freitas do Amaral, em 1991, dando
origem ao Código de Procedimento Administrativo, que entrou em vigor em 1992.
Terminava, assim, a inconstitucionalidade por omissão que provinha do disposto
no artigo 267º nº 5 da CRP. A Comissão Freitas do Amaral foi constituída em
1988, por iniciativa do Dr. Mário Raposo, Ministro da Justiça de então, com o
propósito de proceder a uma reforma do contencioso administrativo, visto que
havia a convicção de que as leis de 1984 e 1985 (ETAF e LEPTA) haviam actualizado
apenas modestamente aquele contencioso.
Estes
acontecimentos resultaram num intenso debate doutrinário. O Prof. Rogério
Soares, por exemplo, manifestou-se contra a codificação do procedimento
administrativo, pois entendia que uma tal regulação deveria ser reduzida ao
mínimo, deveria limitar-se ao direito administrativo formal. Para além disso,
entendia ainda que a lógica necessária a um código poderia por em causa as
soluções adoptadas e que havia uma tendência do legislador em invadir a esfera
do direito material. Este autor fez ainda um balanço das vantagens e dos
benefícios da elaboração de um código do procedimento administrativo, do que
concluiu: a maior disciplina da Administração poderia trazer uma maior
burocratização; a maior eficácia da Administração poderia conduzir à diminuição
da qualidade das decisões; a intensa defesa dos interesses dos particulares
podia resultar na concepção errada de que o particular se situa perante uma
Administração agressiva, o que não seria verdade, tendo em conta a
Administração ser prestadora; o incentivo à participação dos particulares
poderia ser demasiadamente formalizada.
Pelo
contrário, o Prof. Freitas do Amaral demonstrou-se a favor da codificação em
causa, uma vez que a regulação do procedimento era uma exigência constitucional
resultante do artigo 267º nº5, a protecção dos privados em face da
Administração era um dos fins da codificação e tal fim só seria alcançado
através da regulamentação, afirmando ainda que só assim se iria, finalmente,
praticar em Portugal o princípio da audiência prévia dos interessados e que a
existência do código iria favorecer a evolução doutrinária.
O
Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, apresentou-se cauteloso, sendo
favorável à codificação, mas não esquecendo os seus eventuais perigos.
O
Prof. Vasco Pereira da Silva deu razão ao Prof. Freitas do Amaral, afirmando
que o procedimento administrativo é um meio de defesa dos particulares perante
a Administração Pública ou das autoridades administrativas, umas relativamente
às outras, sendo que a codificação iria destacar o procedimento como fenómeno
autónomo, complementar da tutela judicial no que concerne à protecção dos
particulares.
Todavia,
algumas críticas ao Código do Procedimento Administrativo são lançadas pelo
Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: o relevo desproporcional do tratamento do acto
administrativo, a insistência em soluções há muito criticadas pela doutrina, a
omissão da disciplina de algumas matérias, a insensibilidade de problemas da
administração infra-estrutural, a falta de uniformidade na redacção e a
existência de normas repetidas.
Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva “Em busca do acto administrativo
perdido”;
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos “Direito
Administrativo Geral – Actividade Administrativa” Tomo III;
João Caupers “Introdução ao Direito Administrativo”.
Diana Furtado Guerra
Nº 21984
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