Administração e Constituição
Duas frentes de guerra, ou duas grandes amigas?
"Direito
Constitucional passa, o Direito Administrativo permanece", assim
expressava Otto Mayer os seus sentimentos em relação à Constituição, e onde
podemos ver um certo orgulho e ideia de superioridade por parte deste famoso
administrativista. O seu objectivo era, nada mais nada menos do que denunciar a
fictícia, no seu entender, relação entre a Administração e a Constituição.
Contudo, não nos podemos esquecer que Otto Mayer viveu nos tempos do Estado
Liberal, em que a Administração era, fazendo uma comparação Hobbesiana, o
"Leviathan" da sociedade. Perguntamo-nos então nós agora, nos dias de
hoje, no quadro da Adimistração prestadora, qual é a relação entre a Constituição
e a Administração?
Muitas pessoas, quando
se lhes fala em Constituição, pensam num papel escrito e assinado por senhores
importantes, que serve para assegurar os seus direitos. Isso era também o que
se pensava na época revolucionária do Estado Liberal. “Liberté, egalité, fraternité”,
era o lema da Revolução francesa, muito cantado nas ruas e do qual era
concretização a Constituição. Ora bem, o que é que a Administração dizia
perante isto? “Eu fico, vocês estão já de saída”, tal e qual Otto Mayer. Na
verdade, apesar da ruptura política com o regime absolutista, a nível da
Adimistração os revolucionários pretendem erguer uma nova estrutura, não
subjugada ao poder executivo, consagrando as teorias da separação e limitação
de poderes, e, por outro lado, sendo a Administração o meio através do qual se
assegurariam os interesses comuns dos cidadãos, teria de ter um força e
estrutura superiores, que se elevariam acima de tudo, mantendo vivo o espírito
revolucionário. Maior contradição não poderia haver, porque à custa de tentar
proteger os novos ideais, foram feitos grandes atentados a esses mesmos
valores. E, de facto, nada melhor do que a frase de Otto Mayer para explicar em
que consistiu o Estado liberal, do ponto de vista administrativo. Citando a célebre série
televisiva Britânica “Yes Minister”:
«-Open government is the Minister's policy after all.
-My dear boy, it is a contradiction
in terms: you can be open or you can have government.» (BBC, 1ª Temporada, episódio
1, “Open Government”, 1980)
E assim se criou um mito de que a cargo da Constituição ficariam a
fantasias políticas e para a Administração ficaria a realidade pura e dura.
No entanto, sabemos que as coisas nunca estagnam indefenitivamente, ou
evoluem ou retraem, e a Administração não escapou a esta regra. E por isso
mesmo de uma Administração agressiva e autoritária passamos ao que se chama de
Administração prestadora, precisamente porque é concebida como um serviço para
os particulares, que necessitam de ver os seus direitos protegidos no quadro da
comunidade em que se inserem, que é o Estado.
E qual o papel da Constituição no meio disto tudo? Podemos dizer que é
importantíssimo para a Administração prestadora, porque é à Constituição que a
Administração vai buscar as suas tarefas e os seus princípios e linhas gerais
de actuação. Em linguagem corrente, poderiamos dizer que é a Constituição que “emprega”
a Administração Pública, que passa então a ser “Direito Constitucional concretizado.
Neste aspecto a Constituição portuguesa é um excelente exemplo, uma vez que a
em 1976 se quis submeter a Administração de uma forma muito vinculada a certos
princípios, basta ler os artigos 266º e seguintes da CRP. E não é só no 266 e
seguintes, que estão no capítulo referente à Administração pública que a
Constituição pretende vincular a Constituição, pelo contrário, cada vez que se
refere aos direitos fundamentais está a implicar a Administração. Porquê?
Porque só através da Actividade Administrativa é que a Constituição irá conseguir
alcançar esses objectivos, por exemplo:
·
artº
73, nº1 “Todos têm Direito à educação e à
cultura”. Se não houvesse ministério da educação e um sistema nacional de
educação (que não implica apenas e só as escolas do estado) este artigo não
passaria de letra morta;
·
Art
º 65, o direito a habitação, devendo por isso o Estado desenvolver e executar
uma política de habitação, com base em planos de ordenamento geral do território.
Isto explica o porquê das licenças de construção, os alvarás, etc., que têm
sempre associados a si um procedimento por parte da administração;
Enfim, folheando a Constituição poderemos encontrar mil e um exemplos
iguais a estes em que, claramente se evidencia ser necessária estrutura que
suporte a CRP, e quem melhor para o fazer do que a velha e traumatizada
Administração Pública? Não significa isto que, neste quadro do Estado social e
da Administração prestadora se tenha passado para o extremo oposto do Estado
Liberal, isto é, “a Constituição fica e a Administração passa”, se assim
quisermos entender. É verdade que a Administração se submete ao que diz a
constituição, mas não o faz segundo uma lógica autoritária e de subordinação,
mas dentro de uma linha de pensamento de colaboração e de serviço, que tem em
vista o bem comum.
Portanto, nos dias de hoje não faz sentido falar numa guerra aberta entre
Administração e Constituição, porque em bom rigor elas suportam-se uma à outra.
Podemos pensar “mas a constituição poder ser revista e mesmo substituída”, o
que nos levaria a olhar para a lógica autoritária de Otto Mayer, mas, mais uma
vez, no quadro de uma Administração prestadora, a constituição emprega a
administração, e a administração concretiza a constituição, e será muito difícil
quebrar esta ligação de dependência.
Luísa
Mendonça, nº 22000
Bibliografia:
SILVA, Vasco
Pereira da, Em Busca do Acto
Administrativo Perdido, Almedina, Colecção Teses, 1995
AMARAL, Diogo
Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, vol. I & vol. II, Amedina,
2011 (vol.I), 2012 (vol.II).
0 comentários:
Enviar um comentário