domingo, 14 de abril de 2013

Administração e Constituição Duas frentes de guerra, ou duas grandes amigas?



Administração e Constituição 

Duas frentes de guerra, ou duas grandes amigas?

"Direito Constitucional passa, o Direito Administrativo permanece", assim expressava Otto Mayer os seus sentimentos em relação à Constituição, e onde podemos ver um certo orgulho e ideia de superioridade por parte deste famoso administrativista. O seu objectivo era, nada mais nada menos do que denunciar a fictícia, no seu entender, relação entre a Administração e a Constituição. Contudo, não nos podemos esquecer que Otto Mayer viveu nos tempos do Estado Liberal, em que a Administração era, fazendo uma comparação Hobbesiana, o "Leviathan" da sociedade. Perguntamo-nos então nós agora, nos dias de hoje, no quadro da Adimistração prestadora, qual é a relação entre a Constituição e a Administração?

Muitas pessoas, quando se lhes fala em Constituição, pensam num papel escrito e assinado por senhores importantes, que serve para assegurar os seus direitos. Isso era também o que se pensava na época revolucionária do Estado Liberal. “Liberté, egalité, fraternité”, era o lema da Revolução francesa, muito cantado nas ruas e do qual era concretização a Constituição. Ora bem, o que é que a Administração dizia perante isto? “Eu fico, vocês estão já de saída”, tal e qual Otto Mayer. Na verdade, apesar da ruptura política com o regime absolutista, a nível da Adimistração os revolucionários pretendem erguer uma nova estrutura, não subjugada ao poder executivo, consagrando as teorias da separação e limitação de poderes, e, por outro lado, sendo a Administração o meio através do qual se assegurariam os interesses comuns dos cidadãos, teria de ter um força e estrutura superiores, que se elevariam acima de tudo, mantendo vivo o espírito revolucionário. Maior contradição não poderia haver, porque à custa de tentar proteger os novos ideais, foram feitos grandes atentados a esses mesmos valores. E, de facto, nada melhor do que a frase de Otto Mayer para explicar em que consistiu o Estado liberal, do ponto de vista administrativo. Citando a célebre série televisiva Britânica “Yes Minister”:

«-Open government is the Minister's policy after all.

-My dear boy, it is a contradiction in terms: you can be open or you can have government.» (BBC, 1ª Temporada, episódio 1, “Open Government”, 1980)

E assim se criou um mito de que a cargo da Constituição ficariam a fantasias políticas e para a Administração ficaria a realidade pura e dura.

No entanto, sabemos que as coisas nunca estagnam indefenitivamente, ou evoluem ou retraem, e a Administração não escapou a esta regra. E por isso mesmo de uma Administração agressiva e autoritária passamos ao que se chama de Administração prestadora, precisamente porque é concebida como um serviço para os particulares, que necessitam de ver os seus direitos protegidos no quadro da comunidade em que se inserem, que é o Estado.

E qual o papel da Constituição no meio disto tudo? Podemos dizer que é importantíssimo para a Administração prestadora, porque é à Constituição que a Administração vai buscar as suas tarefas e os seus princípios e linhas gerais de actuação. Em linguagem corrente, poderiamos dizer que é a Constituição que “emprega” a Administração Pública, que passa então a ser “Direito Constitucional concretizado. Neste aspecto a Constituição portuguesa é um excelente exemplo, uma vez que a em 1976 se quis submeter a Administração de uma forma muito vinculada a certos princípios, basta ler os artigos 266º e seguintes da CRP. E não é só no 266 e seguintes, que estão no capítulo referente à Administração pública que a Constituição pretende vincular a Constituição, pelo contrário, cada vez que se refere aos direitos fundamentais está a implicar a Administração. Porquê? Porque só através da Actividade Administrativa é que a Constituição irá conseguir alcançar esses objectivos, por exemplo:

·        artº 73, nº1  “Todos têm Direito à educação e à cultura”. Se não houvesse ministério da educação e um sistema nacional de educação (que não implica apenas e só as escolas do estado) este artigo não passaria de letra morta;

·        Art º 65, o direito a habitação, devendo por isso o Estado desenvolver e executar uma política de habitação, com base em planos de ordenamento geral do território. Isto explica o porquê das licenças de construção, os alvarás, etc., que têm sempre associados a si um procedimento por parte da administração;

Enfim, folheando a Constituição poderemos encontrar mil e um exemplos iguais a estes em que, claramente se evidencia ser necessária estrutura que suporte a CRP, e quem melhor para o fazer do que a velha e traumatizada Administração Pública? Não significa isto que, neste quadro do Estado social e da Administração prestadora se tenha passado para o extremo oposto do Estado Liberal, isto é, “a Constituição fica e a Administração passa”, se assim quisermos entender. É verdade que a Administração se submete ao que diz a constituição, mas não o faz segundo uma lógica autoritária e de subordinação, mas dentro de uma linha de pensamento de colaboração e de serviço, que tem em vista o bem comum.

Portanto, nos dias de hoje não faz sentido falar numa guerra aberta entre Administração e Constituição, porque em bom rigor elas suportam-se uma à outra. Podemos pensar “mas a constituição poder ser revista e mesmo substituída”, o que nos levaria a olhar para a lógica autoritária de Otto Mayer, mas, mais uma vez, no quadro de uma Administração prestadora, a constituição emprega a administração, e a administração concretiza a constituição, e será muito difícil quebrar esta ligação de dependência.



Luísa Mendonça, nº 22000



Bibliografia:

SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Colecção Teses, 1995

AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, vol. I & vol. II, Amedina, 2011 (vol.I), 2012 (vol.II).


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