segunda-feira, 22 de abril de 2013

Princípio da Legalidade e as suas "excepções"



A Administração Pública existe e funciona para prosseguir o interesse público: este é, segundo Freitas do Amaral o “seu norte, seu guia e o seu fim”. A Administração, enquanto função, existe para realizar o que se impõe ao Direito, o que significa que está vinculada à Constituição. Contudo esta não o pode prosseguir de qualquer maneira, devendo atender a um certo conjunto de princípios e regras, entre eles, a Administração Pública deve prosseguir o interesse público em obediência à lei, chamando-se a tal, princípio da legalidade. O princípio da legalidade é considerado um dos mais importantes, encontrando-se consagrado como princípio geral do Direito Administrativo mesmo antes que a Constituição Portuguesa actual o mencionasse explicitamente, o que faz no artigo 266/2 CRP. Marcelo Rebelo de Sousa define este princípio como uma subordinação jurídica da Administração Pública, referindo os artigos 266/1 e 2 CRP e o artigo 3 do CPA.
Marcelo Caetano entendia este princípio como um limite e como sendo estabelecido no interesse dos particulares; no entanto a Doutrina mais recente envereda por um outro sentido: para esta, os órgãos da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos. A diferença entre as duas posições deve-se a uma longa evolução histórica.
Este princípio abrange o respeito pela lei (tanto em sentido formal como material) e a subordinação da Administração Pública a todo o bloco legal (Hauriou) que inclui: a Constituição, a lei ordinária, regulamentos, direitos resultantes de contratos administrativos e de direito privado ou de acto administrativo constitutivo de direitos e princípios gerais de Direito e Direito Internacional que vigore na ordem interna. Ao falar de violação da legalidade fala-se na violação de qualquer um destes, tendo como consequência a ilegalidade. Daqui se conclui que o princípio da legalidade foi enriquecido (como afirma Vasco Pereira da Silva).
Quanto ao objecto, este inclui todos os tipos de comportamentos da Administração Pública: regulamento, actos administrativos, contrato administrativo, contrato de direito privado e simples factos jurídicos, e a violação da legalidade levará à ilegalidade, com todas as consequências jurídicas daí decorrentes: invalidade ou ilicitude, responsabilidade civil, entre outras.
Existem duas modalidades do princípio da legalidade: a preferência de lei (ou legalidade-limite), de acordo com a qual nenhum acto de categoria inferior à lei pode contrariar o bloco de legalidade, sob pena de ilegalidade; reserva de lei, ideia que vem do período liberal e que hoje tem relevo no campo administrativo a propósito das relações entre legislador e a Administração, na qual nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade.
Existem três excepções a este princípio:
·         Teoria do Estado de Necessidade
·         Teoria dos Actos Políticos
·         Poder Discricionário da Administração
Em circunstâncias excepcionais, em verdadeira situação de necessidade (por exemplo, o Estado de Guerra), a Administração Pública, se for necessário tendo em conta a situação, fica dispensada de seguir o processo legal estabelecido para circunstâncias normais e pode agir sem forma de processo, mesmo que isso implique o sacrifício de direitos ou interesses dos particulares. É óbvio que posteriormente terá de indemnizar os particulares cujos direitos assim tiverem sido sacrificados: mas pode sacrificar-lhes os direitos e interesses sem seguir a forma normal do processo, o chamado “due process of law”. É aceite pela doutrina e jurisprudência de todos os países democráticos, estando em Portugal consagrado no artigo 3/2 do CPA enquanto preceito a se, isto porque nos casos nele configurados não se constitui uma excepção ao princípio da legalidade porque é a própria lei que o consagra. Contudo, mesmo que outros sejam os casos tanto Freitas do Amaral como Marcelo Rebelo de Sousa defendem que esta teoria não constitui uma excepção ao princípio da legalidade: consideram-na antes uma legalidade excepcional, de acordo com o regime muito amplo do CPA, que não dispensa habilitação prévia, legitimando qualquer actuação administrativa em estado de necessidade mesmo que os preceitos preteridos tenham a sua sede fora do Código (é o que decorre do princípio geral de Direito “necessitas non habet legem”).
Actos políticos são actos de conteúdo essencialmente político, isto é, actos materialmente correspondentes ao exercício da função política (actos políticos ou de governo) não sendo susceptíveis de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos, o que poderia levar-nos a considerar que poderiam ser actos ilegais. No entanto, Freitas de Amaral não considera correcto que se afirme que quando se praticam acto políticos não se deve obediência à Constituição e à Lei. Confirmando-o, surge o artigo 3/3 da Constituição: para estes casos não existe a sanção jurisdicional da impugnação contenciosa com fins de anulação (ou declaração de nulidade ou de inexistência) mas pode haver outra sanção, mesmo actuada por via jurisdicional, de acordo com o artigo 4/2-a) ETAF.
O poder discricionário para Freitas de Amaral seria uma especial configuração da legalidade administrativa e não uma excepção ao princípio da legalidade. Com efeito só existem poderes discricionários onde a lei os confere como tais e neles há sempre pelo menos dois elementos vinculados à lei – a competência e o fim. Para além disso existem hoje importantes normas e princípios jurídicos que enquadram e condicionam normativamente o exercício do poder discricionário (por exemplo, os princípios da justiça, imparcialidade, igualdade, proporcionalidade, entre outros). Também para Vasco Pereira da Silva a discricionariedade não se trata de uma excepção mas sim de uma forma de realização do princípio da legalidade. Este defende que através do poder discricionário a Administração escolhe, tornando-a verdadeiramente responsável pelas suas escolhas. Este poder surge exactamente pelo facto de o princípio da legalidade ser tão exigente que para tornar as decisões administrativas mais adequadas – será um modo diferente de realizar o princípio da legalidade através de uma lógica criadora e mais responsável.
Deste modo, tendo em conta o que defende a doutrina mais influente, não podemos falar em verdadeiras excepções ao princípio da legalidade, tendo em conta que todas elas podem ser consideradas como legalidade excepcional ou qualquer outro tipo de situação, mas sempre dentro da legalidade em sentido amplo (ou bloco de legalidade). Assim sendo, podemos considerar que o princípio da legalidade é o motor do Direito Administrativo, ao qual este está sempre, e em qualquer momento, vinculado e subordinado. O facto de surgirem situações de margem que nos poderiam levar a pensar que este princípio estaria diminuído ou que desapareceria mostram-se na verdade como momentos em que a legalidade se encontra presente mais do que nunca, o que nos leva a considerar que a legalidade envolve toda a actuação da Administração, não deixando nada de fora dela.

Sara Oliveira, nº21870

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