sexta-feira, 5 de abril de 2013


Natureza jurídica do procedimento administrativo
 
 
 
Durante muito tempo a terminologia prevalecente para designar aquilo que hoje entendemos por procedimento administrativo foi a de “processo administrativo gracioso”, facto que nos remete para uma problemática que tem dado azo a várias divergências no seio da doutrina: a questão de saber se o procedimento administrativo é ou não considerado um processo.
 
Ora, o conceito “processo administrativo gracioso” ou “processo não contencioso”, prevalecente até há uns tempos atrás e em alguns focos da doutrina actual, permite-nos antever, desde já, a lógica subjacente à ideia então propugnada acerca da natureza jurídica daquilo a que o CPA apelida de procedimento administrativo.
Partindo de uma visão monista, de similitude entre a função administrativa e judicial, Marcello Caetano surge como defensor acérrimo da tese processualista, tese que propugna a natureza processual de toda a actividade administrativa e que exalta uma ideia de continuidade entre procedimento e processo, assimilando um ao outro. Assim, seguindo os passos de Otto Mayer, Marcello Caetano diz-nos que o procedimento administrativo enquanto “sucessão ordenada de formalidades tendentes à prática ou à execução de um acto administrativo por parte de uma autoridade administrativa” é, de facto, um verdadeiro processo – processo administrativo gracioso – que mais que não é do que uma das faces da moeda de que também faz parte o processo contencioso. De acordo com esta perspectiva, o processo gracioso não dizia respeito ao Direito Administrativo mas sim ao Direito Processual.

Abandonando a solução monista e o conceito “processo administrativo gracioso”, Freitas do Amaral segue, embora noutros termos, esta tese processualista, reconduzindo igualmente o procedimento administrativo e o processo judicial ao género jurídico comum de processo, exaltando, da mesma forma que ambos são “uma sequencia juridicamente ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e à manifestação de uma vontade funcional ou à respectiva execução”.
Vasco Pereira da Sila opõe-se em peso à teoria processualista, acusando-a de dar continuação ao “trauma de infância” do Direito Administrativo fruto da confusão entre administração e justiça, confusão entre acto administrativo e sentença, confusão entre juíz e administrador. Na óptica deste autor a tese processualista, adaptada a uma dimensão agressiva e actocêntrica do Direito Administrativo, não é apropriada nem corresponde à realidade dos dias de hoje.
 
Desta forma, propugnando uma tese subjectivista e antiprocessualista, para este autor o procedimento administrativo deve ser considerado de um modo autónomo, de lógica diversa da do processo, desde logo porque, se tratam de funções e, por consequência, actos distintos. Segundo o Professor, valorizar o procedimento significa valorizar todo o desenvolvimento da atuação da Administração – e não só o resultado final, lógica esta processual que acaba por se transformar, como nos diz o autor, no «”espartilho” da Administração e dos privados». Assim, coerente com uma ideia subjectivista, o procedimento administrativo impõe um conjunto de regras flexíveis, adaptadas à realidade, que se contrapõem à estrutura rígida, típica do processo, surgindo então como um instrumento de defesa dos particulares mais maleável e eficaz que, conforme nos diz, se desdobra num conjunto de funções, nomeadamente: (1) função de legitimação da actuação administrativa: surge como legitimação procedimental autónoma, ao lado da legal e da democrática; (2) definição do interesse público: na medida em que esta é uma realidade que não se encontra pré- determinada, vai ser o procedimento, no caso concreto que o vai apurar e determinar; (3) função de contrabalanço entre os interesses públicos e privados, isto é, o procedimento permite aos particulares lesados pelo interesse público manifestarem-se, e a decisão final tê-lo-á de ter em conta.  
 
 
Rafaela Aragão Pimenta
nº21994

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