Natureza jurídica do procedimento administrativo
Durante muito tempo a
terminologia prevalecente para designar aquilo que hoje entendemos por
procedimento administrativo foi a de “processo administrativo gracioso”, facto
que nos remete para uma problemática que tem dado azo a várias divergências no seio
da doutrina: a questão de saber se o procedimento administrativo é ou não
considerado um processo.
Ora, o conceito “processo
administrativo gracioso” ou “processo não contencioso”, prevalecente até há uns
tempos atrás e em alguns focos da doutrina actual, permite-nos antever, desde
já, a lógica subjacente à ideia então propugnada acerca da natureza jurídica
daquilo a que o CPA apelida de procedimento administrativo.
Partindo de uma visão
monista, de similitude entre a função administrativa e judicial, Marcello
Caetano surge como defensor acérrimo da tese processualista, tese que propugna
a natureza processual de toda a actividade administrativa e que exalta uma
ideia de continuidade entre procedimento e processo, assimilando um ao outro.
Assim, seguindo os passos de Otto Mayer, Marcello Caetano diz-nos que o
procedimento administrativo enquanto “sucessão ordenada de formalidades
tendentes à prática ou à execução de um acto administrativo por parte de uma
autoridade administrativa” é, de facto, um verdadeiro processo – processo
administrativo gracioso – que mais que não é do que uma das faces da moeda de
que também faz parte o processo contencioso. De acordo com esta perspectiva, o
processo gracioso não dizia respeito ao Direito Administrativo mas sim ao
Direito Processual.
Abandonando a solução monista
e o conceito “processo administrativo gracioso”, Freitas do Amaral segue,
embora noutros termos, esta tese processualista, reconduzindo igualmente o
procedimento administrativo e o processo judicial ao género jurídico comum de processo, exaltando, da mesma forma que
ambos são “uma sequencia juridicamente ordenada de actos e formalidades
tendentes à formação e à manifestação de uma vontade funcional ou à respectiva
execução”.
Vasco Pereira da Sila opõe-se
em peso à teoria processualista, acusando-a de dar continuação ao “trauma de
infância” do Direito Administrativo fruto da confusão entre administração e
justiça, confusão entre acto administrativo e sentença, confusão entre juíz e
administrador. Na óptica deste autor a tese processualista, adaptada a uma
dimensão agressiva e actocêntrica do Direito Administrativo, não é apropriada
nem corresponde à realidade dos dias de hoje.
Desta forma, propugnando uma
tese subjectivista e antiprocessualista, para este autor o procedimento
administrativo deve ser considerado de um modo autónomo, de lógica diversa da
do processo, desde logo porque, se tratam de funções e, por consequência, actos
distintos. Segundo o Professor, valorizar o procedimento significa valorizar
todo o desenvolvimento da atuação da Administração – e não só o resultado final,
lógica esta processual que acaba por se transformar, como nos diz o autor, no «”espartilho”
da Administração e dos privados». Assim, coerente com uma ideia subjectivista,
o procedimento administrativo impõe um conjunto de regras flexíveis, adaptadas
à realidade, que se contrapõem à estrutura rígida, típica do processo, surgindo
então como um instrumento de defesa dos particulares mais maleável e eficaz que,
conforme nos diz, se desdobra num conjunto de funções, nomeadamente: (1) função
de legitimação da actuação administrativa: surge como legitimação procedimental
autónoma, ao lado da legal e da democrática; (2) definição do interesse
público: na medida em que esta é uma realidade que não se encontra pré-
determinada, vai ser o procedimento, no caso concreto que o vai apurar e
determinar; (3) função de contrabalanço entre os interesses públicos e privados,
isto é, o procedimento permite aos particulares lesados pelo interesse público
manifestarem-se, e a decisão final tê-lo-á de ter em conta.
Rafaela Aragão Pimenta
nº21994
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