domingo, 31 de março de 2013


A relação jurídico-administrativa

No Direito Administrativo existem relações tuteladas pelo Direito, relações essas que costumam ser entre uma pessoa colectiva pública e um particular, em que a primeira se encontra revestida de poderes de autoridade e em que ambas têm poderes e deveres decorrentes de normas. No entanto, nem sempre isso se verifica.
Relativamente ao conteúdo da relação jurídica, esta pode ser entre uma ou mais entidades públicas e um ou mais particulares, pode ser entre duas ou mais entidades públicas e pode ser entre uma ou mais entidades privadas entre si. As fontes da relação jurídico-administrativa podem ser fontes internacionais ou comunitárias, leis ou regulamentos, actos administrativos, contratos administrativos ou simples factos jurídicos.
A doutrina administrativista tem evoluído bastante no que toca à matéria da relação jurídico-administrativa. Na concepção clássica (com a corrente positivista de Kelsen e Merkl), a Administração era vista como uma Administração agressiva, autoritária, em que o particular era um objecto do poder soberano. Como tal, havia a recusa da figura da relação jurídico-administrativa, pois considerava-se o particular destituído de direitos subjectivos. Nesta altura, a figura central do Direito Administrativo era o acto administrativo, a Administração era “actocêntrica”. Contudo, tal percepção evoluiu e a doutrina mais recente (Bachof, Häberle, Fleiner-Gerster) passou a considerar a relação jurídico-administrativa como sendo a figura central do Direito Administrativo. Essa também é a linha de pensamento do Prof. Vasco Pereira da Silva. A relação jurídica passa a ser vista como um conceito que permite explicar os vínculos jurídicos entre a Administração e os particulares durante todo o acto administrativo e toda a participação durante o procedimento administrativo, que eleva, por conseguinte a sua importância, uma vez que se assume como regulador de relações jurídicas, em que as partes actuam para defender as suas posições jurídicas substantivas.
Esta evolução foi consequência da própria História, já que a partir do Estado Social e, após isso, também do Estado pós-social, a doutrina clássica tornou-se insuficiente para abarcar todos os fenómenos jurídico-administrativos, a relação da Administração com os privados e as novas formas de actuação administrativa, visto que a Administração passou também a ser prestadora.
É ainda de salientar que a perspetiva actual dominante da relação jurídico-administrativa na doutrina alemã é a de que só há uma relação jurídica quando a norma é concretizada através de um facto jurídico, havendo uma distinção entre a previsão normativa da relação e a sua concretização factual (Bachof, Martens). A posição oposta é a de que existe uma relação jurídico-administrativa criada pelo ordenamento jurídico (Henke) e ainda a de que essa relação é independente de qualquer facto jurídico, sempre que estejam em causa direitos absolutos (Achterberg). O Prof. Vasco Pereira da Silva defende que a perspectiva mais correcta é a de que para além da previsão legal, tem ainda que haver a verificação de factos jurídicos que criem essas ligações entre dois ou mais sujeitos de direito para que haja uma relação jurídica. O Prof. Vasco Pereira da Silva considera ainda que a utilização da relação jurídica no Direito Administrativo é essencial para fazer frente às novas realidades da Administração do Estado pós-social.
É graças à adopção da relação jurídica entre a Administração e os particulares que o particular se torna num sujeito jurídico autónomo com posição paritária à da Administração. O particular é sempre titular de direitos subjectivos que decorrem do seu “estatuto” jurídico-constitucional, conferido pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito. É de referir, neste ponto, a posição do Prof. João Caupers, que contrariamente, afirma que a Administração não pode ser colocada numa posição paritária à dos particulares, sendo que os feixes de poderes e de deveres jurídicos de ambos têm que ser colocados numa posição de equilíbrio para a sustentabilidade do Estado de Direito.
De facto, a Constituição, ao atribuir direitos fundamentais ao indivíduo, que é sujeito de Direito, afasta a hipótese deste ser visto como um mero objecto de poder, considerando-o ainda como parte no contencioso administrativo, que é um processo de partes e tem por objecto relações jurídico-administrativas (artigos 20º nº1, 268º nº4 e 5, 214º nº3 da Constituição da República Portuguesa). O particular poderá, por conseguinte, invocar os seus direitos perante os órgãos públicos e estes, por sua vez, não possuirão nenhuma posição de supremacia à partida e actuarão de acordo com o respeito pelos direitos do particular.
Porém, há situações em que a constituição não impõe essa relação, como no caso das relações entre autoridades administrativas. Aqui, a relação jurídica justifica-se enquanto instrumento técnico, sendo que a doutrina tem defendido o uso da figura da relação jurídica para ligações entre autoridades administrativas e até no interior da mesma pessoa colectiva pública. Admite-se ainda a existência de relações inter-orgânicas nas autoridades administrativas, que têm capacidade jurídica própria.

Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva “Em busca do acto administrativo perdido”;
Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo” Volume II;
João Caupers “Introdução ao Direito Administrativo”.

Diana Furtado Guerra
Nº 21984

2 comentários:

Unknown disse...

Gostei bastante do artigo em questão, mas gostaria que desenvolvesse um pouco mais a questão das fontes da relação juridico-administrativa. Em que medidas elas constituem fonte?

eduardo Jose Maibaze junior disse...

Estou Muito Grato pelos apontamnetos explicitos e com bom fundamneto .
Mocambique agradece

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