quinta-feira, 21 de março de 2013

O que é a discricionariedade?


Para se responder à pergunta “o que é a discricionariedade?” deve-se num primeiro momento consagrar uma serie de ideias.
   Em primeiro lugar verifica-se que em todos os momentos a administração atua mediante o princípio da legalidade, ou seja sob alçada da lei, contudo nem sempre a lei regula de forma pormenorizada os actos a serem praticados pela administração. Quando a lei permite que a administração defina os critérios para a prática de um acto administrativo estamos perante uma discricionariedade. Esse poder discricionário permitido pela lei à administração leva a que a mesma possa adotar e escolher o procedimento mais eficiente no que diz respeito a cada caso em concreto assim como uma prossecução eficiente do interesse público. Apesar de a classificação de interesse público ser algo discutível, devemos partir do princípio que a administração promove o interesse público, e como tal, os actos que a mesma pratica são portanto prossecutores do mesmo. Em consequência deste facto constata-se que todos os actos que a administração pratica proveniente do poder discricionário são portanto exercícios desse mesmo poder. Acima de tudo para se verificar discricionariedade é necessário que a lei permita à administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão. Neste sentido de liberdade de escolha podemos distinguir dois tipos de discricionariedade, uma discricionariedade de ação onde a liberdade diz respeito entre agir e não agir e uma discricionariedade de escolha que remete entre duas ou mais possibilidades de actuação predefinidas na lei. A administração para fazer uso do seu poder discricionário terá portanto que realizar uma tarefa de interpretação normativa. O processo de escolha por parte da administração terá de ser ditado pelos princípios e regras gerais que vinculam a administração, porque só deste modo se conseguiria constatar que se encontra a melhor solução na prossecução do interesse público. Estes factos conduzem-nos à conclusão que o Prof. Freitas do Amaral defende que o poder discricionário não é um poder livre mas sim um poder jurídico. Logo, a lei ao atribuir a determinado órgão poder discricionário pretende propositadamente que seja encontrada a solução que concretize os princípios da boa fé, da imparcialidade, da igualdade, etc.
Portanto é errado dizer que a discricionariedade procura uma solução, procura sim “a solução”, ou seja aquele que concretize de melhor forma o interesse público e respeite os princípios jurídicos supra indicados.
Estamos portanto perante uma discricionariedade própria quando nos encontramos perante uma posição em que a administração tem o poder de tomar uma ação ou escolha sem estar devidamente limitada. Neste sentido devemos falar também de uma discricionariedade imprópria, que são aquelas situações em que a administração não se deva considerar autorizado a escolher livremente entre várias soluções possíveis, mas antes obrigado a procurar a única solução adequada que o caso comporta. Para o Prof. Freitas do Amaral temos três modalidades de discricionariedade imprópria: a liberdade probatória, a discricionariedade técnica e a justiça burocrática. A discricionariedade técnica é referente a situações em que a administração teria de recorrer a estudos técnicos para uma tomada de decisão estando a sua decisão pendente do resultado desse estudo. Nesta situação pode-se verificar que existe apenas discricionariedade da administração no sentido de que entre vários estudos feitos escolher aquele que lhe parece mais de acordo com o interesse público. Para o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa esta situação não se apresenta como uma verdadeira discricionariedade porque não existe uma verdadeira liberdade de escolha. Pode-se contudo constatar que existe uma grande crítica à discricionariedade imprópria no sentido de que a mesma não pode ser controlada pelos tribunais, visto que os mesmo não podem anular uma decisão sustentando que a mesma não é tecnicamente a mais acertada e também não podem substituir decisões técnicas por outra que se lhe afigurem mais conveniente ao interesse público. Esta critica só poderia ser ultrapassada se existisse uma dupla administração onde os tribunais teriam uma segunda administração constituída por peritos para avaliar a administração. Contudo isso também nos levantava problemas no sentido da separação de poderes e dos gastos desnecessários que se verificariam quando a comissão técnica do tribunal fosse favorável à posição tomada pela peritagem da administração, para além disso nunca haveria certezas de eficiência no sentido de que não se conseguiria apurar que a decisão tomada pela comissão do tribunal fosse a mais acertada.
Outra situação que merece referência é a interpretação de conceitos indeterminados por parte da administração quando nos encontramos perante uma discricionariedade. Neste sentido devemos apurar duas dimensões. A primeira é quando existem conceitos cuja interpretação por parte do órgão administrativo não exige uma análise pessoal mas sim objectiva, onde se pretende que a administração procure na sociedade a solução para a indeterminação do conceito. Podemos apresentar como exemplo algo que as ciências apresentem uma resposta socialmente aceite, como os 100º Célsius como ponto de ebulição da água.
Contudo existe outra dimensão em que se pretende que a administração faça um juízo do conceito baseado na sua experiência, que apesar da sua indeterminação é enquadrado por critérios jurídicos. Neste campo podemos apresentar como exemplo o “interesse público” que apesar da sua indeterminação é algo que é regulado pelo direito. Verifica-se portanto que a concretização administrativa de conceito indeterminados traduz muitas vezes o exercício de uma actividade de interpretação da lei.
Em relação à existência de poder discricionário verifica-se que o mesmo se debruça portanto no princípio da separação de poderes concretizando a própria concepção de estado de direito democrático criando deste modo uma margem de autonomia jurídica á administração pretendendo deste modo que a administração tome a melhor decisão na análise de cada caso em concreto.
Em relação aos limites configurados ao poder discricionário verificamos que os mesmos se perfilham em duas categorias, em limites legais ou através da auto-vinculação por parte da administração. Os limites legais são aqueles que resultam da própria lei, são situações em que a lei confere discricionariedade à administração ou não confere mas impõe uma vinculação. Como exemplo temos o artigo 266º da CRP onde se verifica expresso no nº1 que a administração pública deve respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. No que respeita aos limites que aparecem da auto-vinculação, verifica-se que os mesmos surgem de duas maneiras distintas. Ou a administração faz uma análise específica de caso a caso adoptando a solução mais adequada para cada caso em concreto, auto-vinculando-se no sentido de para circunstâncias idênticas adotar medidas idênticas. Ou por outro lado, cria um conjunto de normas genéricas e diretrizes que enuncia um conjunto de critérios segundo a qual a mesma vai respeitar na apreciação de cada caso em concreto. Acima de tudo o que se pretende consagrar com a auto-vinculação é o princípio da igualdade no que respeita ao tratamento. Após o processo de auto-vinculação a administração não pode praticar um acto que viole as normas que a mesma pré-indicou. Contudo o facto de a administração estar vinculada não significa que a mesma não possa mudar de opinião com o decorrer dos tempos, aliás a situação seria insustentável se a mesma não fizesse. Tomemos como exemplo a atribuição de determinado subsídio por parte da administração a pessoas com graves carências econômicas  O conceito de “graves carências econômicas  é um conceito discricionário, no sentido em que cabe à administração avaliar aquilo que subentende por grave carência econômica  Imaginemos que este subsídio foi criado nos anos 90 em que o ordenado mínimo tinha um valor aproximado de 60 contos (aproximadamente 300 euros), atualmente com o ordenado mínimo de 485 euros (aproximadamente 97 contos), não faria sentido que a concepção de grave carência econômica tivesse a mesma interpretação que tinha à 15 anos atrás, porque o interesse público é constantemente variável, e é graças a essas situações que o CPA prevê no artigo 124º, nº1 alínea d) que a administração não tem o dever de decidir de modo idêntico em casos semelhantes.
Em conclusão, verifica-se que este conjunto de ideias apresentadas consegue responder à questão enunciada no inicio do trabalho.

Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos -Direito Administrativo Geral Introdução e princípios fundamentais
Diogo Freitas do Amaral- Curso de direito administrativo volume II
http://www.fd.uc.pt/~fpaula/pdf/apoio_aulas/da/6_discricionariedade.pdf


João Augusto Gomes Ramos, nº20605,

0 comentários:

Enviar um comentário