quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Sistema administrativo Francês e sistema administrativo Anglo-Saxónico


             Antes de começarmos a enunciar cada um dos aspectos assim como as diferenças que caracterizam cada um dos sistemas em causa, convêm fazer em primeiro lugar uma contextualização histórica de cada um deles. Ambos os sistemas que vamos explicar se enquadram nos sistemas modernos e portanto são posteriores ao sistema tradicional. 
             O sistema tradicional foi o sistema que vigorou na Europa até aos séculos XVII e XVIII e o mesmo era caracterizado por dois pontos essenciais. Verificava-mos em primeiro lugar que não havia uma diferenciação entre as funções administrativas e jurisdicionais e como tal constatávamos que havia uma deficiente separação de poderes entre os órgãos do poder executivo e do poder judicial. Para além dessa situação, também se verifica que a administração pública não respeitava o princípio da legalidade e como consequência não observava-mos as garantias necessárias dos agentes particulares perante a administração. No entanto, no séc. XVII e XVIII aparecem os sistemas modernos dos quais o sistema Anglo-Saxónico e o sistema Francês fazem parte. Em Inglaterra esta “passagem” verificou-se em 1668 com a grande revolução enquanto em França ocorreu em 1789 com a revolução Francesa.

Sistema administrativo Anglo-Saxónico
            Existem três grandes características que diferenciam o sistema Anglo-Saxónico dos demais sistemas sendo elas: A importância do papel do costume como fonte de direito, a regra do precedente e a relativização da lei. No entanto existem também outro conjunto de características associadas a estas que também caracterizam o sistema administrativo Anglo-Saxónico. Especificando-as, referimos que no sistema administrativo Anglo-Saxônico, verifica-se a existência de uma separação de poderes, a mesma exposta com a abolição da star chamber (1641), altura em que o rei é impedido de resolver questões de natureza contenciosa, e reforçada pelo Act of settlement (1701) em que o rei deixa de ter poder sobre os juízes. Para além da separação de poderes também constatamos que o sistema administrativo Anglo-Saxónico é caracterizado por ser um estado de direito, o mesmo consagrado com o Bill of Rights de 1681 onde se verifica uma subordinação do rei ao direito consuetudinário resultante da Common Law.
            Outra característica fundamental deste sistema é o facto do mesmo ser um sistema descentralizado, porque apesar de verificarmos que existe uma distinção entre uma administração central (central government) e uma administração local (local government), as autarquias locais (Counties, Boroughs, Parishes, Districts) detém uma grande autonomia sobre a administração central sendo portanto consideradas governos locais em vez de serem vistas como parte de representação do governo central.
Outra característica que apontamos é o facto da administração pública se ter de submeter aos tribunais comuns e portanto não poder invocar qualquer tipo de privilégios como protecção porque o sistema que existe para o estado existe para os particulares logo a lei é igual para todas as entidades. Como consequência, verifica-mos que um problema entre as entidades administrativas e os particulares entram na jurisdição normal dos tribunais comuns. Associada a esta característica também se verifica que este sistema administrativo se prende como o facto de o rei e as demais entidades se regerem pelo mesmo direito que os restantes cidadãos (denominada esta situação de the common law of the land e surgindo como consequência do rule of law) o que nos leva a constatar que todas as entidades (administração central, municípios, rei, etc) são subordinadas ao direito comum, como simples entidades privadas. Como consequência das entidades públicas estarem subordinadas ao direito comum, verifica-se que as mesmas não têm poder para executar as decisões por autoridade própria tendo portanto que recorrer a um tribunal, Ou seja, num caso em que um órgão de administração pretenda executar uma acção contra um particular, contra livre e espontânea vontade do mesmo, deve o órgão de administração recorrer a um tribunal comum e obter o due processo of law e desta forma tornar imperativa a sentença proferida. Outra característica que garante a igualdade perante a lei, dos órgãos da administração pública e das entidades privadas, reside no facto das entidades privadas poderem recorrer a um tribunal superior (King`s Bench) de decisões abusivas da administração pública e o mesmo ordenar que a haja o cumprimento da lei por parte dela. Constatamos portanto que os tribunais têm plena jurisdição face à administração pública e que apesar de a lei conferir poderes de autoridade pública aos órgãos administrativos estes são sempre considerados como tribunais inferiores. No entanto apesar de estas serem as características gerais do sistema Anglo-Saxónico constatamos que os mesmos têm sofrido algumas alterações ao longo dos tempos, porque já começamos a observar um conjunto de normas que regula a função administrativa (admnistrative law) assim como a existência de órgãos independentes e imparciais com competência para a revisão de determinadas decisões da administração (admnistrative tribunals). Com estas alterações existe de facto uma ligeira aproximação deste sistema ao sistema administrativo Francês. Concluindo, para além de Inglaterra existem outros países que adoptaram este sistema nomeadamente os EUA.

Sistema administrativo Francês
           Em contraposição ao sistema administrativo Anglo-Saxónico, temos o sistema administrativo Francês que também é caracterizado por três pontos fundamentais sendo que os mesmos em oposição ao sistema Anglo-Saxónico defendem o privilégio da lei como modo de criação de direito, minimização do papel do costume e promoção de uma ascensão do poder político sobre a sociedade civil. No entanto, o sistema administrativo Francês não é caracterizado apenas por estes três pontos remetendo-se para outras características essenciais que fazem a contraposição ao sistema Anglo-Saxónico.
            O mesmo defende, assim como o sistema Anglo-Saxónico o princípio da separação de poderes, onde constatamos que a partir da revolução Francesa, em 1789 a administração ficou separada da justiça, separando o poder executivo do poder judicial. Na mesma linha do sistema Anglo-Saxónico, este sistema defende também o princípio de estado de direito, ficando esta posição bem definida também em 1789 na declaração dos direitos do Homem e do cidadão no art.16 referente à exigência de um sistema de garantia de direitos. Outra característica deste sistema e diferente do exposto no sistema Anglo-Saxónico é a centralização que exprime a perda de autonomia administrativa e financeira dos municípios para o governo central. Esta situação acontece derivado do facto de este sistema dividir o território Francês em 80 departements que são chefiados por prefeitos (préfets) eleitos pelo governo que conjuntamente formam uma administração local (admnistration locale de l`etat). Esses perfeitos tem como dependentes os maire que são os dirigentes dos municípios (communes) sendo eles também nomeados pelo governo. Por conseguinte observa-se que no sistema Francês a administração central controla através dos prefets e dos maire os municípios, ou seja as autarquias locais (advém dessa situação este sistema ser um sistema centralizado). Também em contraposição ao sistema Anglo-Saxónico verifica-se a existência de tribunais administrativos que tem como tarefa fiscalizar a legalidade dos actos da administração pública e de julgar o contencioso dos contratos e da responsabilidade. Portanto, como podemos constatar no direito administrativo Francês ao contrário do Anglo-Saxónico prevê a existência de tribunais administrativos.
            Outra característica reside na consideração de que a administração pública não se encontra na mesma posição dos particulares porque a administração prossegue o interesse público, e como consequência verifica-se que por um lado detém poderes especiais de autoridade mas como contrapartida encontra-se limitada por um lote de deveres e restrições que a fazem cumprir o interesse público. Como verificação desta situação a administração tem perante si um conjunto de poderes especiais superiores sobre os cidadãos que ultrapassam os reconhecidos pelo direito civil aos particulares. A existência desses poderes deve-se ao facto de a mesma executar o interesse público e como consequência o mesmo assumir o princípio da legalidade. Um exemplo desses poderes é o do privilégio da execução prévia onde se contempla que a administração procedendo a um sentença que o privado não aceita de livre e espontânea vontade pode recorrer ela própria a uma execução da decisão tomada (ao contrario do sistema Anglo-Saxónico que remete a execução aos tribunais). Se nessas decisões o particular sentir que houve abusos e ilegalidades por parte da administração pode recorrer aos tribunais administrativos (no sistema Anglo-Saxónico recorre-se aos tribunais comuns), no entanto os tribunais não tem plena jurisdição como no sistema Anglo-Saxónico sobre a administração e como consequência os mesmos só podem anular o acto administrativo caso seja ilegal e o acto em si não pode trazer consequências para a administração quer no plano do modo de proceder quer na formação de uma própria consequência para a administração.
         Apesar de estas serem as bases deste sistema administrativo verifica-se uma evolução do mesmo quer no facto do aumento das garantias dos particulares sobre a administração (ampliação das providências cautelares e possibilidade de injunções jurisdicionais) quer no facto de a administração em certa parte se submeter ao direito privado e aos tribunais comuns.
          Numa análise final, ambos os sistemas administrativos em causa procedem os princípios da separação de poderes e de estado de direito no entanto enquanto o sistema Anglo-Saxónico defende a importância do costume e a igualdade perante a lei o sistema Francês dá prevalência à lei e mais privilégios à administração.

Texto redigido por: João Augusto Gomes Ramos, aluno nº 20605

Bibliográfia
Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos-Direito Administrativo Geral-Introdução e princípios fundamentais
Diogo Freitas do Amaral- Curso de direito administrativo- volume I
     
    

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