domingo, 31 de março de 2013


A relação jurídico-administrativa

No Direito Administrativo existem relações tuteladas pelo Direito, relações essas que costumam ser entre uma pessoa colectiva pública e um particular, em que a primeira se encontra revestida de poderes de autoridade e em que ambas têm poderes e deveres decorrentes de normas. No entanto, nem sempre isso se verifica.
Relativamente ao conteúdo da relação jurídica, esta pode ser entre uma ou mais entidades públicas e um ou mais particulares, pode ser entre duas ou mais entidades públicas e pode ser entre uma ou mais entidades privadas entre si. As fontes da relação jurídico-administrativa podem ser fontes internacionais ou comunitárias, leis ou regulamentos, actos administrativos, contratos administrativos ou simples factos jurídicos.
A doutrina administrativista tem evoluído bastante no que toca à matéria da relação jurídico-administrativa. Na concepção clássica (com a corrente positivista de Kelsen e Merkl), a Administração era vista como uma Administração agressiva, autoritária, em que o particular era um objecto do poder soberano. Como tal, havia a recusa da figura da relação jurídico-administrativa, pois considerava-se o particular destituído de direitos subjectivos. Nesta altura, a figura central do Direito Administrativo era o acto administrativo, a Administração era “actocêntrica”. Contudo, tal percepção evoluiu e a doutrina mais recente (Bachof, Häberle, Fleiner-Gerster) passou a considerar a relação jurídico-administrativa como sendo a figura central do Direito Administrativo. Essa também é a linha de pensamento do Prof. Vasco Pereira da Silva. A relação jurídica passa a ser vista como um conceito que permite explicar os vínculos jurídicos entre a Administração e os particulares durante todo o acto administrativo e toda a participação durante o procedimento administrativo, que eleva, por conseguinte a sua importância, uma vez que se assume como regulador de relações jurídicas, em que as partes actuam para defender as suas posições jurídicas substantivas.
Esta evolução foi consequência da própria História, já que a partir do Estado Social e, após isso, também do Estado pós-social, a doutrina clássica tornou-se insuficiente para abarcar todos os fenómenos jurídico-administrativos, a relação da Administração com os privados e as novas formas de actuação administrativa, visto que a Administração passou também a ser prestadora.
É ainda de salientar que a perspetiva actual dominante da relação jurídico-administrativa na doutrina alemã é a de que só há uma relação jurídica quando a norma é concretizada através de um facto jurídico, havendo uma distinção entre a previsão normativa da relação e a sua concretização factual (Bachof, Martens). A posição oposta é a de que existe uma relação jurídico-administrativa criada pelo ordenamento jurídico (Henke) e ainda a de que essa relação é independente de qualquer facto jurídico, sempre que estejam em causa direitos absolutos (Achterberg). O Prof. Vasco Pereira da Silva defende que a perspectiva mais correcta é a de que para além da previsão legal, tem ainda que haver a verificação de factos jurídicos que criem essas ligações entre dois ou mais sujeitos de direito para que haja uma relação jurídica. O Prof. Vasco Pereira da Silva considera ainda que a utilização da relação jurídica no Direito Administrativo é essencial para fazer frente às novas realidades da Administração do Estado pós-social.
É graças à adopção da relação jurídica entre a Administração e os particulares que o particular se torna num sujeito jurídico autónomo com posição paritária à da Administração. O particular é sempre titular de direitos subjectivos que decorrem do seu “estatuto” jurídico-constitucional, conferido pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito. É de referir, neste ponto, a posição do Prof. João Caupers, que contrariamente, afirma que a Administração não pode ser colocada numa posição paritária à dos particulares, sendo que os feixes de poderes e de deveres jurídicos de ambos têm que ser colocados numa posição de equilíbrio para a sustentabilidade do Estado de Direito.
De facto, a Constituição, ao atribuir direitos fundamentais ao indivíduo, que é sujeito de Direito, afasta a hipótese deste ser visto como um mero objecto de poder, considerando-o ainda como parte no contencioso administrativo, que é um processo de partes e tem por objecto relações jurídico-administrativas (artigos 20º nº1, 268º nº4 e 5, 214º nº3 da Constituição da República Portuguesa). O particular poderá, por conseguinte, invocar os seus direitos perante os órgãos públicos e estes, por sua vez, não possuirão nenhuma posição de supremacia à partida e actuarão de acordo com o respeito pelos direitos do particular.
Porém, há situações em que a constituição não impõe essa relação, como no caso das relações entre autoridades administrativas. Aqui, a relação jurídica justifica-se enquanto instrumento técnico, sendo que a doutrina tem defendido o uso da figura da relação jurídica para ligações entre autoridades administrativas e até no interior da mesma pessoa colectiva pública. Admite-se ainda a existência de relações inter-orgânicas nas autoridades administrativas, que têm capacidade jurídica própria.

Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva “Em busca do acto administrativo perdido”;
Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo” Volume II;
João Caupers “Introdução ao Direito Administrativo”.

Diana Furtado Guerra
Nº 21984

terça-feira, 26 de março de 2013

"Função pública perdeu 50.000 trabalhadores nos últimos dois anos"



O secretário de Estado da Administração Pública afirmou hoje, no parlamento, que, nos últimos dois anos saíram 50.000 trabalhadores da função pública.

O governante, que falava na comissão parlamentar de Acompanhamento das Medidas do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), começou por dizer que "a reforma do Estado é um processo contínuo e permanente", que o executivo tem vindo a implementar.
Um dos aspectos apontados por Hélder Rosalino foi "a redução estrutural de trabalhadores da administração pública, de 50.000 trabalhadores".
De acordo com o secretário de Estado, "não há registo de uma reestruturação desta dimensão, numa altura em que aumenta a procura de serviços públicos, decorrente da situação do país".
Hélder Rosalino apontou ainda a redução de uma série de estruturas do Estado, que permitiu reduzir o número de cargos dirigentes "que não eram necessários, bem como "o incremento da mobilidade" profissional.
"É aqui que entra o programa de rescisões", referiu o governante, mostrando-se surpreendido com algumas afirmações dos partidos da oposição, nomeadamente do Partido Socialista (PS), que, nas palavras do governante, confundem rescisões com despedimentos.
Hélder Rosalino disse que cerca de 200.000 trabalhadores da administração pública realizam funções pouco qualificadas, ou seja, acrescentou, o equivalente a 40% dos funcionários públicos.
"Num momento de contracção, as empresas reorganizam-se e valorizam mais umas funções do que outras. Na administração pública, isso também tem de ser feito", afirmou Rosalino.

Económico, 19/03/13

            Deparamo-nos com mais uma notícia de despedimentos, desta vez na Administração Pública, como que uma constatação global do panorama laboral desta administração. Como é que se qualifica o despedimento de 50.000 pessoas em dois anos? Reestruturar a administração pública é a resposta dos nossos governantes. De que maneira é que isso poderá beneficiar a administração pública e particulares? Com prazos intermináveis e desorganização, por certo. Já que não se qualifica o despedimento tão repentino de 50.000 pessoas, devendo esse processo, a realizar-se, dar-se num espaço de tempo mais prolongado, dando oportunidade às estruturas de organização e às pessoas de adaptação.
Ana Rita Dias, nº  21976, Sub turma 1

Comos se relaciona o Direito Administrativo com o Direito Constitucional?




O Professor Vasco Pereira da Silva atribui particular importância à ligação entre a Constituição e a Administração Pública, visto que a Constituição tem uma função limitadora, nomeadamente através da consagração dos princípios do Estado de Direito. Nesse sentido, considera que o Direito Administrativo é Direito Constitucional concretizado.
Otto Mayer refere que se trata mais de um discurso legitimador, uma vez que o Direito Constitucional passa mas o Administrativo permanece. Na perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva esta ideia procura denunciar a tal ficção entre o Direito Constitucional e o Direito Administrativo.
Seguindo esta linha de pensamento, Rogério Soares, demonstra que é frequente permanecer o Direito Administrativo e mudar-se de sistema político, sendo exemplo desse fenómeno a passagem do Antigo Regime para a Revolução Francesa, pelo facto do Direito Administrativo ser mais técnico, o que permite uma coexistência em sistemas constitucionais diferentes.
O Professor Vasco Pereira da Silva critica esta acepção de Rogério Soares, apesar de reconhecer que o Direito Administrativo é moldável até certo ponto (até onde a Constituição deixar margem), visto que pode acontecer que um sistema constitucional coloque em causa esses institutos do Contencioso Administrativo, como é exemplo a passagem da Constituição de 1933 para a de 1976. O Estado Novo era de matriz francesa e não protegia os particulares, tal como estudámos no semestre passado (os particulares só tinham acesso aos tribunais administrativos depois de terem recorrido a todos os outros institutos; havia uma limitação dos direitos dos particulares; o contencioso meramente anulatório, etc), ao passo que a Constituição da República Portuguesa assegurou aos particulares direitos fundamentais face à Administração, nomeadamente nos artigos 266º e seguintes, relativos à chamada Constituição Administrativa ou da Administração Pública. Assim, com esta passagem de Administração agressiva para uma Administração interventiva, os institutos do Contencioso Administrativo do Estado Novo foram postos em causa. Este exemplo refuta aquela tese de que o Direito Constitucional passa, e o Direito Administrativo permanecesse. Não é verdade, temos uma uma dependência do Direito Administrativo face ao Direito Constitucional, visto que é a Constituição legitima e limita a actuação da Administração Pública.
Assim, teremos uma Administração mais interventiva se a Constituição de cariz socialista ou comunista, ou menos interventiva se a Constituição for liberal ou conservadora.

Mariana Baptista de Freitas.
21873.

domingo, 24 de março de 2013

Princípios constitucionais do poder administrativo – O Princípio da Legalidade


Na Constituição da República Portuguesa (CRP) podemos encontrar uma “constituição administrativa” onde se encontram as bases do direito administrativo. O artigo 266º CRP enuncia os princípios constitucionais da actividade administrativa. Entre os princípios enunciados um dos mais importantes é sem dúvida o Princípio da Legalidade.         
Uma das características essenciais do Estado Moderno é a submissão da Administração Pública ao Direito. Nas palavras do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa “Constitui pedra basilar do Estado de Direito a subordinação jurídica de todos os podres públicos, entre os quais a administração.” O princípio que exprime a subordinação jurídica da administração é o Princípio da Legalidade que para além de se encontrar consagrado no artigo 266º nº 2 CRP encontra-se também no 3º do  Código de Procedimento Administrativo (CPA).  
O objectivo fundamental da administração publica é a prossecução do interesse público, mas a administração para alcançar este seu objectivo tem de respeitar certos limites e certos valores. A Administração Pública tem de prosseguir o interesse público em obediência à lei, ou seja, respeitando o Princípio da Legalidade.
O Prof. Freitas do Amaral destaca que inicialmente a definição deste princípio consistia numa proibição: a proibição de a administração publica lesar os direitos ou interesses dos particulares, salvo com base na lei.
Actualmente define-se o Princípio da legalidade da seguinte forma: os órgãos e agentes da Administração pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos.
O Princípio da Legalidade já não é visto desta maneira, passando agora a ser definido de uma forma positiva afirmando se o que a Administração publica deve ou pode fazer e não apenas aquilo que ela esta proíbe de fazer. O princípio  da legalidade actualmente protege o interesse publico e não apenas os interesses dos particulares. A lei surge agora não só como o limite mas tambem como o fundamento da actuação da administração.
O princípio da legalidade abrange não apenas o respeito pela lei mas a subordinação da Administração pública a todo o bloco legal. Esta expressão foi utilizada por Hauriou. Este bloco de legalidade inclui: a constituição, a lei ordinária  os regulamentos, os direitos resultantes de contratos administrativos e de direito privado ou ainda de acto administrativo constitutivo de direitos e ainda os princípios gerias de Direito bem como o Direito internacional vigente na ordem interna. O principio da legalidade aponta para um princípio mais vasto e abrangente  o principio da juridicidade da administração, pois todo o direito (todas as regras e princípios de ordem jurídico constitucional) serve de fundamento e pressuposto da Administração. De notar que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa não inclui no bloco de legalidade os actos administrativos não normativos e os contratos da Administração Pública uma vez que o conteúdo destes actos pode ser modificado.
O Princípio da legalidade apresenta duas modalidades. A primeira modalidade é a preferência de lei (ou legalidade-limite)e consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode contrariar o bloco de legalidade sob pena de ilegalidade. A lei prevalece sobre os actos administrativos e em caso de conflito os últimos não podem contrariá-la.
A segunda modalidade é a reserva de lei (ou legalidade-fundamento) e consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade. Esta segunda modalida subdivide-se ainda em: precedência de lei e reserva de densificação normativa. A Precedência de lei determina que a habilitação legal tem de ser necessariamente anterior ao acto. A Reserva de densificação normativa determina uma exigência de precedência total de lei suficientemente densificada. Uma norma “em branco” permitiria à Administração Pública fazer virtualmente tudo. Exige-se determinado grau de especificação e pormenorização.
O Princípio da Legalidade abrange todos os comportamentos da Administração (regulamento, acto administrativo, contrato administrativo, contrato de direito privado e simples fatos jurídicos).
Uma grande parte da doutrina apresenta três situações consideradas como excepções ao princípio da legalidade e que são: o estado de necessidade, os actos políticos e o poder discricionário da administração. No entanto tanto o Prof. Freitas do Amaral como o Prof. Vasco Pereira da Silva consideram que estas situações não são excepções ao princípio da legalidade na medida em que: o estado de necessidade esta legislativamente consagrado(artigo 3º nº 2 do CPA). Também os actos políticos não constituem uma excepção na medida em que não existe uma sanção jurisdicional  de impugnação contenciosa com fins de anulação.  Também não existe nenhuma excepção  no poder discricionário na medida em que só há poderes discricionários quando a lei os conferir como tais.
Com isto podemos concluir que o Princípio da Legalidade apresenta uma grande importância no actual Estado de Direito pois este princípio assegura que a Administração Pública prossegue o seu fim e actua de acordo e com fundamento na lei.

Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra-volume II, 2ªEdição, 2011
Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos – Direito Administrativo Geral Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote 2ª Edição
João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo. Âncora, 10ªEdição, 2009
J.J Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, Coimbra Editora, 2010
Legislação:
-Constituição da República Portuguesa
-Código de Procedimento Administrativo.

 Cristina Martins
2º Ano Turma A Sub turma 1 
nº 21980

quinta-feira, 21 de março de 2013

O que é a discricionariedade?


Para se responder à pergunta “o que é a discricionariedade?” deve-se num primeiro momento consagrar uma serie de ideias.
   Em primeiro lugar verifica-se que em todos os momentos a administração atua mediante o princípio da legalidade, ou seja sob alçada da lei, contudo nem sempre a lei regula de forma pormenorizada os actos a serem praticados pela administração. Quando a lei permite que a administração defina os critérios para a prática de um acto administrativo estamos perante uma discricionariedade. Esse poder discricionário permitido pela lei à administração leva a que a mesma possa adotar e escolher o procedimento mais eficiente no que diz respeito a cada caso em concreto assim como uma prossecução eficiente do interesse público. Apesar de a classificação de interesse público ser algo discutível, devemos partir do princípio que a administração promove o interesse público, e como tal, os actos que a mesma pratica são portanto prossecutores do mesmo. Em consequência deste facto constata-se que todos os actos que a administração pratica proveniente do poder discricionário são portanto exercícios desse mesmo poder. Acima de tudo para se verificar discricionariedade é necessário que a lei permita à administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão. Neste sentido de liberdade de escolha podemos distinguir dois tipos de discricionariedade, uma discricionariedade de ação onde a liberdade diz respeito entre agir e não agir e uma discricionariedade de escolha que remete entre duas ou mais possibilidades de actuação predefinidas na lei. A administração para fazer uso do seu poder discricionário terá portanto que realizar uma tarefa de interpretação normativa. O processo de escolha por parte da administração terá de ser ditado pelos princípios e regras gerais que vinculam a administração, porque só deste modo se conseguiria constatar que se encontra a melhor solução na prossecução do interesse público. Estes factos conduzem-nos à conclusão que o Prof. Freitas do Amaral defende que o poder discricionário não é um poder livre mas sim um poder jurídico. Logo, a lei ao atribuir a determinado órgão poder discricionário pretende propositadamente que seja encontrada a solução que concretize os princípios da boa fé, da imparcialidade, da igualdade, etc.
Portanto é errado dizer que a discricionariedade procura uma solução, procura sim “a solução”, ou seja aquele que concretize de melhor forma o interesse público e respeite os princípios jurídicos supra indicados.
Estamos portanto perante uma discricionariedade própria quando nos encontramos perante uma posição em que a administração tem o poder de tomar uma ação ou escolha sem estar devidamente limitada. Neste sentido devemos falar também de uma discricionariedade imprópria, que são aquelas situações em que a administração não se deva considerar autorizado a escolher livremente entre várias soluções possíveis, mas antes obrigado a procurar a única solução adequada que o caso comporta. Para o Prof. Freitas do Amaral temos três modalidades de discricionariedade imprópria: a liberdade probatória, a discricionariedade técnica e a justiça burocrática. A discricionariedade técnica é referente a situações em que a administração teria de recorrer a estudos técnicos para uma tomada de decisão estando a sua decisão pendente do resultado desse estudo. Nesta situação pode-se verificar que existe apenas discricionariedade da administração no sentido de que entre vários estudos feitos escolher aquele que lhe parece mais de acordo com o interesse público. Para o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa esta situação não se apresenta como uma verdadeira discricionariedade porque não existe uma verdadeira liberdade de escolha. Pode-se contudo constatar que existe uma grande crítica à discricionariedade imprópria no sentido de que a mesma não pode ser controlada pelos tribunais, visto que os mesmo não podem anular uma decisão sustentando que a mesma não é tecnicamente a mais acertada e também não podem substituir decisões técnicas por outra que se lhe afigurem mais conveniente ao interesse público. Esta critica só poderia ser ultrapassada se existisse uma dupla administração onde os tribunais teriam uma segunda administração constituída por peritos para avaliar a administração. Contudo isso também nos levantava problemas no sentido da separação de poderes e dos gastos desnecessários que se verificariam quando a comissão técnica do tribunal fosse favorável à posição tomada pela peritagem da administração, para além disso nunca haveria certezas de eficiência no sentido de que não se conseguiria apurar que a decisão tomada pela comissão do tribunal fosse a mais acertada.
Outra situação que merece referência é a interpretação de conceitos indeterminados por parte da administração quando nos encontramos perante uma discricionariedade. Neste sentido devemos apurar duas dimensões. A primeira é quando existem conceitos cuja interpretação por parte do órgão administrativo não exige uma análise pessoal mas sim objectiva, onde se pretende que a administração procure na sociedade a solução para a indeterminação do conceito. Podemos apresentar como exemplo algo que as ciências apresentem uma resposta socialmente aceite, como os 100º Célsius como ponto de ebulição da água.
Contudo existe outra dimensão em que se pretende que a administração faça um juízo do conceito baseado na sua experiência, que apesar da sua indeterminação é enquadrado por critérios jurídicos. Neste campo podemos apresentar como exemplo o “interesse público” que apesar da sua indeterminação é algo que é regulado pelo direito. Verifica-se portanto que a concretização administrativa de conceito indeterminados traduz muitas vezes o exercício de uma actividade de interpretação da lei.
Em relação à existência de poder discricionário verifica-se que o mesmo se debruça portanto no princípio da separação de poderes concretizando a própria concepção de estado de direito democrático criando deste modo uma margem de autonomia jurídica á administração pretendendo deste modo que a administração tome a melhor decisão na análise de cada caso em concreto.
Em relação aos limites configurados ao poder discricionário verificamos que os mesmos se perfilham em duas categorias, em limites legais ou através da auto-vinculação por parte da administração. Os limites legais são aqueles que resultam da própria lei, são situações em que a lei confere discricionariedade à administração ou não confere mas impõe uma vinculação. Como exemplo temos o artigo 266º da CRP onde se verifica expresso no nº1 que a administração pública deve respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. No que respeita aos limites que aparecem da auto-vinculação, verifica-se que os mesmos surgem de duas maneiras distintas. Ou a administração faz uma análise específica de caso a caso adoptando a solução mais adequada para cada caso em concreto, auto-vinculando-se no sentido de para circunstâncias idênticas adotar medidas idênticas. Ou por outro lado, cria um conjunto de normas genéricas e diretrizes que enuncia um conjunto de critérios segundo a qual a mesma vai respeitar na apreciação de cada caso em concreto. Acima de tudo o que se pretende consagrar com a auto-vinculação é o princípio da igualdade no que respeita ao tratamento. Após o processo de auto-vinculação a administração não pode praticar um acto que viole as normas que a mesma pré-indicou. Contudo o facto de a administração estar vinculada não significa que a mesma não possa mudar de opinião com o decorrer dos tempos, aliás a situação seria insustentável se a mesma não fizesse. Tomemos como exemplo a atribuição de determinado subsídio por parte da administração a pessoas com graves carências econômicas  O conceito de “graves carências econômicas  é um conceito discricionário, no sentido em que cabe à administração avaliar aquilo que subentende por grave carência econômica  Imaginemos que este subsídio foi criado nos anos 90 em que o ordenado mínimo tinha um valor aproximado de 60 contos (aproximadamente 300 euros), atualmente com o ordenado mínimo de 485 euros (aproximadamente 97 contos), não faria sentido que a concepção de grave carência econômica tivesse a mesma interpretação que tinha à 15 anos atrás, porque o interesse público é constantemente variável, e é graças a essas situações que o CPA prevê no artigo 124º, nº1 alínea d) que a administração não tem o dever de decidir de modo idêntico em casos semelhantes.
Em conclusão, verifica-se que este conjunto de ideias apresentadas consegue responder à questão enunciada no inicio do trabalho.

Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos -Direito Administrativo Geral Introdução e princípios fundamentais
Diogo Freitas do Amaral- Curso de direito administrativo volume II
http://www.fd.uc.pt/~fpaula/pdf/apoio_aulas/da/6_discricionariedade.pdf


João Augusto Gomes Ramos, nº20605,

quarta-feira, 20 de março de 2013

Sobre a limitação de mandatos autárquicos

Face ao grande aparato que a decisão do Tribunal Civel de Lisboa está a gerar, acerca do chumbo da candidatura de Fernando Seara, decidi, pela primeira vez fazer um post acerca de uma decisão do tribunal. Achei relevante apesar de não se enquadrar em muito da matéria (abrange mais matérias do 1º semestre). Não obstante, é-nos possibilitado comentários de notícias que se possam relacionar com a matéria e sendo que torna-se difícil descobrir notícias com esse teor, achei por bem não deixar passar esta oportunidade de tentar fazer um post sobre algo que eu associo a situações de Direito Administrativo, ainda que de foro Contencioso, e de Direito Constitucional

Recordemos:

O Tribunal Cível de Lisboa aceitou a providência cautelar, apresentada pelo movimento cívico Revolução Branca, contra a candidatura de Fernando Seara à Câmara Municipal de Lisboa.
Segundo a edição online do Diário de Notícias, o juiz considera que a candidatura de Seara é ilegal, uma vez que viola a lei de limitação de mandatos.
Fernando Seara, recorde-se, está no final do seu terceiro mandato à frente da Câmara de Sintra.
A decisão é, contudo, adianta o Público, passível de recurso.

Eis de forma sumária: Lei de Limitação de Mandatos Autárquicos:

- A Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais.
 - O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
 - O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.
 - No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia?
Esta lei entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006.


Ora bem, como vemos estamos num problema de interpretação da lei, nomeadamente, indo directamente ao assunto, do preceito 118º da CRP. Relativamente à lei da limitação de mandatos autárquicos exposta anteriormente, não existe qualquer problema pois se o tribunal decidiu com base na mesma não sabia de facto o que estava a fazer, dado que a lei é clara. Esta quando diz "só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos" diz respeito aos mandatos de uma e apenas uma autarquia. Se o autarca completar dois anos numa determinada autarquia e for para outra significa que só pode ter uma mandato nesta? Claro que não! Isso não faria qualquer sentido e seria uma grande restrição ao principio de participação na vida politica elencado no artigo 48 nº1 da CRP.  Vamos, então, ler o que diz o artigo 118º da Constituição:

“1. Ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local.
 2. A lei pode determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos”.

Pois bem, o que devemos atender aqui é à expressão “cargo político”. O que significa isto? Será que a lei se refere à função de presidente de câmara ou ao cargo de presidente de uma câmara?

É que é necessário atender que são coisas diferentes. Ser presidente de câmara é uma função política, enquanto ser presidente da Câmara é um cargo politico. Ora bem, penso que o espírito da lei paira sobre esta segunda hipótese. De facto, um cargo só pode ser exercido se forma vitalícia se for um cargo concreto. Dito de outras palavras, só posso ser um presidente vitalício de uma câmara e apenas de uma. Agora se andar a saltar de câmara em câmara não serei vitalício em nada. Apenas serei alguém que se candidata a diferentes câmaras e estarei a desempenhar as mesmas funções em cargos e sítios diferentes. Alguém que tenha desempenhado, em períodos sucessivos de quatro ou oito anos, as funções de presidente da câmara de Tondela, de Viseu, do Porto, de Mangualde e de Freixo de Espada à Cinta, não está a exercer de forma vitalícia  nenhum desses cargos, mas a desempenhar as mesmas funções em cargos e sítios diferentes.

Se optarmos pela interpretação restritiva do tribunal também não poderá existir gestores públicos que andem de empresa pública em empresa pública a efectuar as mesmas funções mas em cargos e sítios diferentes. Presidente da Câmara X é um cargo e Presidente da Câmara Y é outro cargo; as funções são as mesmas e o artigo 118º nº1 fala de “cargos políticos”.  
Ora, Fernando Seara pretende exercer as mesmas funções mas em outro cargo politico, o de Presidente DA câmara de Lisboa à luz, se quisermos, do princípio constitucional expresso no nº 1 do artigo 48º:

-“Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país (…)”

António Fernandes Nº21979 Sub:1